Perfil
A BABEL DE BEBEL
por: Pedro Alexandre Sanches Fotos: Roberto Schwenck
A BABEL DE BEBEL
por: Pedro Alexandre Sanches Fotos: Roberto Schwenck
Internacional do Brasil é a melhor definição para vida e obra de Bebel Gilberto. Com novo álbum no mercado (All In One) e baseada em Nova York, a cantora de sangue azul musical está em momento sereno.
BEBEL GILBERTO É UMA CANTORA E COMPOSITORA BRASILEIRA radicada em Nova York, certo? Não, não é bem assim. Na verdade, Bebel canta bossa nova em português e viveu grande parte de sua vida pré-adulta no Brasil, mas ela não é brasileira. Nasceu em Nova York, onde sua mãe Miúcha, e seu pai, João Gilberto, e a bossa nova estavam morando naquele 1966. Então ela é uma cantora americana que passou infância e adolescência radicada no Brasil? Não, também não é bem assim. Bebel Gilberto, hoje com 43 anos e debutando com o álbum All In One no selo de jazz mundialmente famoso Verve, é uma nômade, uma ave migratória, quase uma "sem pátria".
"Nasci em Nova York, fui alfabetizada no México, morei no Pacaembu, em São Paulo, com meus avós.", ela resume um périplo que pode parecer tortuoso a quem viva enraizado nalgum lugar. Os avós, diga-se, são Amélia e Sérgio Buarque de Hollanda, pais não só de Miúcha como de Cristina Buarque, Ana de Hollanda e Chico Buarque, todos cantores. O roteiro cigano da pequena Bebel foi o da fama mundial de seu pai, que trabalhou nos Estados Unidos durante boa parte dos anos 60. "Ele estava morando com [o jazzista] Stan Getz, e viemos para cá.", conta, ao telefone, de Nova York. "Stan Getz morava numa mansão, a gente morava numa casa dentro desse enorme complexo."
Quando ela tinha 5 anos, a família voltou ao Brasil, parou no Rio de Janeiro, e a menina neocarioca conheceu a Bahia, inclusive Juazeiro, a terra natal do pai. "Fomos os três, ele dirigindo, até Salvador. Aí fui para São Paulo, agregada à minha avó, fiquei com ela e meus pais voltaram para Nova York. Dos 5 aos 8 anos, fiquei separada de papai e mamãe." A sina mambembe ganharia reforço simbólico em 1977, quando Bebel se tornou uma das crianças do coro que acompanhava a peça teatral e o (hoje clássico) disco infantil Os Saltimbancos.
Chico Buarque assinava as versões em português das canções italianas que narravam as estripulias de quatro bichos em rota de fuga das garras de malvados donos, patrões e feitores. "Sempre tenho ataque de Os Saltimbancos, trabalhei duro ali até os 13 anos. De vez em quando ainda sonho que estou trocando roupa errada. Queria eu ter visto a peça, de dentro nunca tive idéia do que foi. Tinha salto mortal, pirâmide, várias roupas. A gente se confundia, virou trauma. Sempre sonho com show,roupa, que estou no avião errado, que o celular não disca", relata sonhos que classifica como "de ansiedade". A saga da garotinha em trupe musical-teatral-circense estava apenas começando. Amiga número 1 de um Cazuza ainda anônimo, Bebel lançou-se cantora aos 20 anos, num disco que passou em brancas nuvens. Em 1991, à mesma época em que Cazuza morria, ela "fechou a tampa" no Brasil, como diz, e migrou de volta para a terra natal e para a ralação. A consagração musical só viria em 2000, com o disco Tanto Tempo, "Demorou mais uma década, que incluiu vir para Nova York, aprender a viver aqui sozinha.", reflete.
"Nasci em Nova York, fui alfabetizada no México, morei no Pacaembu, em São Paulo, com meus avós.", ela resume um périplo que pode parecer tortuoso a quem viva enraizado nalgum lugar. Os avós, diga-se, são Amélia e Sérgio Buarque de Hollanda, pais não só de Miúcha como de Cristina Buarque, Ana de Hollanda e Chico Buarque, todos cantores. O roteiro cigano da pequena Bebel foi o da fama mundial de seu pai, que trabalhou nos Estados Unidos durante boa parte dos anos 60. "Ele estava morando com [o jazzista] Stan Getz, e viemos para cá.", conta, ao telefone, de Nova York. "Stan Getz morava numa mansão, a gente morava numa casa dentro desse enorme complexo."
Quando ela tinha 5 anos, a família voltou ao Brasil, parou no Rio de Janeiro, e a menina neocarioca conheceu a Bahia, inclusive Juazeiro, a terra natal do pai. "Fomos os três, ele dirigindo, até Salvador. Aí fui para São Paulo, agregada à minha avó, fiquei com ela e meus pais voltaram para Nova York. Dos 5 aos 8 anos, fiquei separada de papai e mamãe." A sina mambembe ganharia reforço simbólico em 1977, quando Bebel se tornou uma das crianças do coro que acompanhava a peça teatral e o (hoje clássico) disco infantil Os Saltimbancos.
Chico Buarque assinava as versões em português das canções italianas que narravam as estripulias de quatro bichos em rota de fuga das garras de malvados donos, patrões e feitores. "Sempre tenho ataque de Os Saltimbancos, trabalhei duro ali até os 13 anos. De vez em quando ainda sonho que estou trocando roupa errada. Queria eu ter visto a peça, de dentro nunca tive idéia do que foi. Tinha salto mortal, pirâmide, várias roupas. A gente se confundia, virou trauma. Sempre sonho com show,roupa, que estou no avião errado, que o celular não disca", relata sonhos que classifica como "de ansiedade". A saga da garotinha em trupe musical-teatral-circense estava apenas começando. Amiga número 1 de um Cazuza ainda anônimo, Bebel lançou-se cantora aos 20 anos, num disco que passou em brancas nuvens. Em 1991, à mesma época em que Cazuza morria, ela "fechou a tampa" no Brasil, como diz, e migrou de volta para a terra natal e para a ralação. A consagração musical só viria em 2000, com o disco Tanto Tempo, "Demorou mais uma década, que incluiu vir para Nova York, aprender a viver aqui sozinha.", reflete.
O sucesso dependeu de mais uma migração. No fim dos anos 90, Bebel se mudou para a Inglaterra, e o êxito de Tanto Tempo se desenlaçou a partir dali e, mais inusitado, da Bélgica, sede da gravadora independente Crammed, que bancou o CD. Ainda às voltas com a sombra familiar (ou você já leu alguma reportagem sobre Bebel que não citasse João, Miúcha, Chico, etc.?), a mulher que diz não ser "a pessoa mais autoconfiante do mundo" criou sem querer uma nova fórmula e, por consequência, toda uma escola de música brasileira produzida com olhos voltados para o mundo.
"Escola, acho lindo falar assim", balbucia. "Mas eu chamaria de música de Bebel, que não se encaixa em lugar nenhum, ou em qualquer lugar que dê um sentimento de estar bem. Bebel não gosta de fazer nada que ela não quer, Bebel gosta de relaxar. Boa turma, praia,pé para cima, ventinho. Minha música traduz isso tudo." Ela acha graça quando afirmo que sua música está serena como nunca: "Serena muito de vez em quando eu sou.Tenho momentos de serenidade."
O que chama de "música de Bebel" tem sido, até aqui, uma variação bilíngue de bossa nova, de canto calmo e virtuoso por cima de bases eletrônicas que influenciaram (para o bem e às vezes para o mal) dezenas de novos artistas, mas que em sua própria obra diminuem a cada novo disco. "Não quero mais fazer tudo eletrônico. Tento fugir, mas ainda uso." Pois a bossa eletrônica da brasileira que não era brasileira, correu o mundo. "Quando vem relatório da editora, é uma loucura, Toco em lugares os mais inexplicáveis. Dubai, Coréia do Norte, Polinésia, Indonésia. Qualquer lugar perto do mar, estou lá", traduz, com simplicidade.
E a babel de Bebel esteve vertiginosa como nunca neste 2009. All In One começou a ser gravado em Port Antonio, Jamaica, não por acaso com uma versão bossa soul, em português, de Sun Is Shining, do jamaicano Bob Marley.O disco foi concebido e gravado no eixo Jamaica-Bahia-Nova York, e a mistura se mostra exuberante na faixa "Chica Chica Boom Chic" (sucesso da "falsa baiana" Carmen Miranda), que reúne num só balaio a maluquice musical do baiano Carlinhos Brown, o soul black Rio do percussionista Carlos Darci, as programações do brasileiro norte-americanizado Mario Caldato.
O arremate foi nova-iorquino, já que, ela admitem é lá que se ente em casa desde que foi contrada pela Verve e fechou a ponte-aérea com Londres. "Mudei para um apartamento maior, montei um estudiozinho que dá para o jardim, gravamos sob a lua. Não tenho mala em lugar nenhum.", conta, e a lembrança a faz evocar 1991, quando chegou do Brasil "com uma caixinha e o passaporte, literalmente."
A conversa com Bebel vai e vem, no espaço e no tempo, e termina de volta ao começo, aos sonhos da pequena saltimbanca de 1977.Será que ela não cogitaria um dia regravar ou montar Os Saltimbancos? "É um dos maiores sonhos que tenho.Faltam organização e coragem.Mas sempre penso nisso", diz. Que papel ela faria agora? "Claro que vou fazer a gata. A gata era a melhor parte,usava óculos de gatinha,peruca black power", diverte-se. Ah, se de fato levar o sonho a cabo, há de ser no Brasil, em português, diz a filha da internacional bossa nova.
"Escola, acho lindo falar assim", balbucia. "Mas eu chamaria de música de Bebel, que não se encaixa em lugar nenhum, ou em qualquer lugar que dê um sentimento de estar bem. Bebel não gosta de fazer nada que ela não quer, Bebel gosta de relaxar. Boa turma, praia,pé para cima, ventinho. Minha música traduz isso tudo." Ela acha graça quando afirmo que sua música está serena como nunca: "Serena muito de vez em quando eu sou.Tenho momentos de serenidade."
O que chama de "música de Bebel" tem sido, até aqui, uma variação bilíngue de bossa nova, de canto calmo e virtuoso por cima de bases eletrônicas que influenciaram (para o bem e às vezes para o mal) dezenas de novos artistas, mas que em sua própria obra diminuem a cada novo disco. "Não quero mais fazer tudo eletrônico. Tento fugir, mas ainda uso." Pois a bossa eletrônica da brasileira que não era brasileira, correu o mundo. "Quando vem relatório da editora, é uma loucura, Toco em lugares os mais inexplicáveis. Dubai, Coréia do Norte, Polinésia, Indonésia. Qualquer lugar perto do mar, estou lá", traduz, com simplicidade.
E a babel de Bebel esteve vertiginosa como nunca neste 2009. All In One começou a ser gravado em Port Antonio, Jamaica, não por acaso com uma versão bossa soul, em português, de Sun Is Shining, do jamaicano Bob Marley.O disco foi concebido e gravado no eixo Jamaica-Bahia-Nova York, e a mistura se mostra exuberante na faixa "Chica Chica Boom Chic" (sucesso da "falsa baiana" Carmen Miranda), que reúne num só balaio a maluquice musical do baiano Carlinhos Brown, o soul black Rio do percussionista Carlos Darci, as programações do brasileiro norte-americanizado Mario Caldato.
O arremate foi nova-iorquino, já que, ela admitem é lá que se ente em casa desde que foi contrada pela Verve e fechou a ponte-aérea com Londres. "Mudei para um apartamento maior, montei um estudiozinho que dá para o jardim, gravamos sob a lua. Não tenho mala em lugar nenhum.", conta, e a lembrança a faz evocar 1991, quando chegou do Brasil "com uma caixinha e o passaporte, literalmente."
A conversa com Bebel vai e vem, no espaço e no tempo, e termina de volta ao começo, aos sonhos da pequena saltimbanca de 1977.Será que ela não cogitaria um dia regravar ou montar Os Saltimbancos? "É um dos maiores sonhos que tenho.Faltam organização e coragem.Mas sempre penso nisso", diz. Que papel ela faria agora? "Claro que vou fazer a gata. A gata era a melhor parte,usava óculos de gatinha,peruca black power", diverte-se. Ah, se de fato levar o sonho a cabo, há de ser no Brasil, em português, diz a filha da internacional bossa nova.
ENGLISH VERSION
Profile
BEBEL'S BABEL
by Pedro Alexandre Sanches (including the version in English)
Photos; Roberto Schwenck
"Internationally Brazilian" is the best way to define the life and work of Bebel Gilberto. With a newly released album (All In One) and living in New York, the singer now enjoys a moment of serenity.
BEBEL'S BABEL
by Pedro Alexandre Sanches (including the version in English)
Photos; Roberto Schwenck
"Internationally Brazilian" is the best way to define the life and work of Bebel Gilberto. With a newly released album (All In One) and living in New York, the singer now enjoys a moment of serenity.
BEBEL GILBERTO IS A NEWYORK-BASED Brazilian singer-songwitter, right? Actually, no. Bebel sings in Portuguese and spent much of her youth in Brazil, but was born in New york, where her mother and father, Miúcha and João Gilberto, were living in 1966. So is she an American singer who spent her youth in Brazil? Not really. Bebel is a nomad.
"I was born in New York, went to school in Mexico, lived with my grandparents in São Paulo." The grandparents, by the way, are Amélia and Sérgio Buarque de Hollanda, whose children include Cristina Buarque, Ana de Hollanda and Chico Buarque besides Miúcha. Bebel's roamings followed her father: "He was living with Stan Getz, and that's when we came here." , she says on the phone from New York.
The family came back to Brazil when she was five. "Then I went to stay with my grandmother and my parents came back to New York." Her nomadic life was symbolically reinforced in 1977, when Bebel joined the children's play and now classic album Os Saltimbancos.
Chico Buarque wrote the Portuguese version to Italian songs that told the story of four animals on the run. "I get Saltimbancos fits all the time. Sometimes I still have dreams about it." The saga of the little girl in a musical-theatrical-circus act was just staring. Bebel's solo career began at the age of 20, with an album that went by unnoticed. In 1991 she flew back to her native New York.
Making it big required moving again and Bebel went to England in the late'90s. Her album Tanto Tempo hit the mother lode there and in Belgium, home of the independent label Crammed, who bankrolled the CD. She had accidentally created a new formula and, through it, a new school of Brazilian music made for the ears of the world.The family came back to Brazil when she was five. "Then I went to stay with my grandmother and my parents came back to New York." Her nomadic life was symbolically reinforced in 1977, when Bebel joined the children's play and now classic album Os Saltimbancos.
Chico Buarque wrote the Portuguese version to Italian songs that told the story of four animals on the run. "I get Saltimbancos fits all the time. Sometimes I still have dreams about it." The saga of the little girl in a musical-theatrical-circus act was just staring. Bebel's solo career began at the age of 20, with an album that went by unnoticed. In 1991 she flew back to her native New York.
"I love the word school" But I'd call it Bebel music, music that doesn't fit anywhere that doesn't fit right. Bebel doesn't like to do anything she doesn't fell like doing. Bebel likes to relax. My music translates this." She thinks it's funny when they say her music is more serene than ever. "I'm seldom serene. I have fits of serenity."
What she calls Bebel music has so far been a bilingual variation on Bossa Nova, with soothing, virtuoso vocals on eletronics bases that influenced scores of new artists, but subside with every new album she releases. "I don't want to be all-eletronic any more."
Bebel's Babel was more hectic tahn ever this 2009. The recording sessions of All In One began in Port Antonio, Jamaica, with a Bossa-soul version Portuguese of Bob Marley's Sun Is Shining. The album was conceived and cut in Jamaica, Bahia and New York, and the resulting mix comes through in the track Chica Chica Boom Chic (a hit by "non-Bahian" Carmen Miranda), which blends the musical madness of Bahia's Carlinhos Brown, percussionist Carlos Darci's soul-black-Rio, and the programming of Americanized Brazilian Mario Caldato.
The finishing touches are pure New York, which she admits has felt like home ever since she signed with Verve. "I moved to a bigger apartament and set up a studio facing the garden. We record under the moon."
The conversation with Bebel comes and goes across space and time and ends where it began, with the dream of the 1977 child actress. Would she ever consider re-recording or producing Os Saltimbancos? "It's one of my greatest dreams, I think about it all the time." What role would she play today? "The cat, of course. That was the best part, with cateye glasses and a fro wig."
What she calls Bebel music has so far been a bilingual variation on Bossa Nova, with soothing, virtuoso vocals on eletronics bases that influenced scores of new artists, but subside with every new album she releases. "I don't want to be all-eletronic any more."
Bebel's Babel was more hectic tahn ever this 2009. The recording sessions of All In One began in Port Antonio, Jamaica, with a Bossa-soul version Portuguese of Bob Marley's Sun Is Shining. The album was conceived and cut in Jamaica, Bahia and New York, and the resulting mix comes through in the track Chica Chica Boom Chic (a hit by "non-Bahian" Carmen Miranda), which blends the musical madness of Bahia's Carlinhos Brown, percussionist Carlos Darci's soul-black-Rio, and the programming of Americanized Brazilian Mario Caldato.
The finishing touches are pure New York, which she admits has felt like home ever since she signed with Verve. "I moved to a bigger apartament and set up a studio facing the garden. We record under the moon."
The conversation with Bebel comes and goes across space and time and ends where it began, with the dream of the 1977 child actress. Would she ever consider re-recording or producing Os Saltimbancos? "It's one of my greatest dreams, I think about it all the time." What role would she play today? "The cat, of course. That was the best part, with cateye glasses and a fro wig."
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